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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Entrevista com Paulo Monteiro, vencedor do Prémio Nacional de BD para Melhor Álbum Português




Paulo Monteiro foi o grande vencedor do Prémio Nacional de BD para melhor Álbum Português deste ano com o seu "O Amor Infinito que te tenho e Outras Histórias" publicado pela editora Polvo. O criador da obra aclamada pelo público e pela crítica como a melhor de 2010, e uma das melhores dos últimos anos, não só é um extraordinário autor de banda desenhada (embora o próprio ainda não consiga ter a certeza que efectivamente o é, e dos bons!), mas é também responsável pela Bedeteca de Beja, pela Casa da Cultura da mesma cidade, editor do fanzine, também ele premiado, "Venham +5" e organizador do Festival Internacional de BD de Beja. Por tudo isto e muito mais, Paulo Monteiro é uma personalidade incontornável da BD no nosso país, não só ao nível do trabalho pessoal mas também por tudo aquilo que tem feito e investido pela prática e divulgação desta expressão artística. Um "homem dos 7 ofícios" que com trabalho e dedicação consegue excelentes resultados em todos eles. 

Mas é especificamente acerca do seu magnífico álbum, o tal que mereceu a distinção, que vem falar-nos um pouco...




O que foi para ti ganhar o prémio nacional de BD para melhor álbum português?

Foi um momento mágico, verdadeiramente inesquecível! Não estava à espera! Aliás, já tinha apostado noutros autores com os meus amigos. E não estou a dizer isto com falsa humildade. Não estava mesmo à espera! Para mim foi muito importante. Desde que me conheço, desde miúdo, que o meu sonho sempre foi fazer um livro de banda desenhada. Quis ser milhares de coisas quando era miúdo (ainda quero), mas sempre autor de banda desenhada. Mas nunca me senti “um autor”. Hoje também não sinto, mas o facto de ter publicado o meu primeiro livro e de ter recebido este prémio, faz-me sentir mais próximo dessa sensação: “autor de banda desenhada”.
Claro que o que me deixa mais feliz é o facto de saber que as pessoas se revêem no meu trabalho. Sentir que as minhas histórias são importantes para alguém faz-me sentir uma enorme alegria. Quando fiz as histórias, num grande isolamento, só pensei em mim, no que queria fazer. Quero dizer, não escrevi a pensar nos leitores. Por isso o prémio acaba por me mostrar que existe gente “do outro lado”. É uma sensação fantástica!




O teu livro “O Amor Infinito que te tenho e outras histórias” foi muito apreciado e vai já na segunda edição. Qual é a “história” desta obra?
Algumas destas histórias já estavam publicadas em fanzines (Barsowia, Venham + 5, e Café e cigarros). Talvez 4 ou 5 das 10 histórias que compõem o livro. De repente dei-me conta que todas abordavam, de uma forma ou de outra, a temática do amor, em várias das suas vertentes. Reparei também que tinha várias histórias escritas, prontas a desenhar, que acabavam por abordar o tema. Pensei então em fazer uma colectânea de histórias antigas e juntar-lhe as histórias novas, já que o tema se encarregava de dar unidade ao livro. Falei com o Rui Brito, da Polvo, que foi muito simpático e acolheu logo a ideia. E meti-me ao trabalho. Tive muitas ajudas de muita gente: da Susana (Susa Monteiro), do Manuel, dos meus amigos - às vezes sem se aperceberem...




Dos vários contos que o álbum contém, e no meio de uma profundidade emocional notável, há um que é claramente dedicado ao teu pai. Como surgiu a ideia de criar essa homenagem e como correu o processo que a fez “ganhar vida”?
As minhas histórias são todas um pouco autobiográficas. Umas mais, outras menos, claro. E falo das coisas que me são queridas, das pessoas que amo, daquilo que me provoca inquietação. A história sobre o meu pai, embora tenha apenas 8 pranchas, demorou 3 anos a fazer. Avançava e recuava, depois largava para voltar meses mais tarde. Foi um processo muito doloroso porque a história revela terríveis evidências, como o medo de perder os que me são queridos no meio da voragem do tempo. Foi muito difícil e pensei muitas vezes que não chegaria a acabá-la. Mas pronto. Aí está. Dediquei esta história ao meu pai e ele, quando a leu, não disse nada. Fez-me um sorriso. Gostou. Demos um abraço. Foi um silêncio cheio de palavras. Fiquei feliz por a ter acabado. A vida é breve como um sonho. Temos que a tentar viver da melhor maneira possível. E com aqueles que amamos.





Sabemos que estás já a trabalhar num outro projecto. Podes falar-nos um pouco do que aí vem?

Na verdade estou a trabalhar em 3 projectos ao mesmo tempo! Tenho um livro escrito e em parte desenhado (com cerca de 100 páginas) que se deverá chamar “Estrela”, sobre um homem que perde tudo por causa de um amor impossível. Um outro (com cerca de 40 páginas) que se deverá chamar “Diário de Bordo”, sobre um homem que acorda na barriga de um peixe e que se questiona sobre o seu passado e sobre as suas opções de vida. E um outro (com cerca de 350 páginas - já tenho mais de 200 páginas esboçadas) sobre os sonhos e acontecimentos da infância e sobre a forma como nos marcam para sempre. Nesta fase ando tão baralhado que não sei em qual deles devo pegar. Talvez no “Estrela”. Ainda não sei muito bem…




Qual é a tua perspectiva acerca da BD portuguesa e quais os conselhos que deixas aos novos autores?

Acho a banda desenhada portuguesa verdadeiramente fervilhante! Existe de tudo para todos os gostos. E como não há mercado, os autores desenham e escrevem o que realmente têm vontade de escrever e desenhar! Do ponto de vista artístico, criativo, isto é fantástico. Já que não se ganha dinheiro com a banda desenhada, mais vale fazer-se aquilo que realmente se tem vontade de fazer. Da manga aos comics, passando pelos alternativos, temos autores fabulosos em todos os campos. Pena é que as edições sejam tão pequenas, e o público leitor tão escasso (isto sim, é dramático, porque existem trabalhos admiráveis que nunca sairão do circulo restrito dos leitores habituais de banda desenhada). Mas não será sempre assim! À banda desenhada portuguesa só falta uma coisa: visibilidade. Tem que estar à venda nos sítios certos (nas livrarias generalistas, nos quiosques), ir até às escolas e faculdades, mostrar-se nas bibliotecas, nas galerias, nos festivais… Precisamos de criar uma “movida” devidamente enquadrada em políticas editoriais concertadas. Só isso… (há muitas ideias acerca da possibilidade de criar novos públicos). Quantos leitores apaixonados pela literatura ou pelo cinema não gostariam de ler o David B., o Gipi, ou o Craig Thompsoin (entre muitos outros) se os conhecessem?
Quanto aos conselhos, é mais difícil para mim abordar esta questão, porque não sei muito bem o que dizer. Acho que o principal é não desistir. A insistência produz resultados. E ser honesto no trabalho que se faz. Acho que é isso… Não é obrigatório viver da banda desenhada (pode viver-se para a banda desenhada), não é obrigatório ser profissional (quantos poetas profissionais existem, quantos escritores?). É necessário fazer. Publicar em fanzines (há muitos – e receptivos a várias colaborações), mostrar, partilhar. Ir aos Festivais e às exposições, conhecer outros autores, criar laços e fazer amigos. Mostrar trabalho “cá dentro” e “lá fora” (hoje é mais fácil). E deixar que as coisas aconteçam se for caso disso. Se não acontecer nada de especial, se não formos autores famosos no mundo inteiro também não faz mal. O prazer está em fazer. Em encontrar resposta para as nossas inquietações ou espaço para os nossos sonhos. E em olhar para a folha branca e pensar: “O que é que eu faço com isto?”


O álbum de Paulo Monteiro pode (e deve!) ser adquirido em qualquer livraria, não só pelos apaixonados por BD mas também por todos os que gostam de LER e são sensíveis aos estímulos da arte. Àqueles que já o leram, resta esperar por uma próxima obra e dedicar-lhe tanta atenção como esta última mereceu. Em casos como estes uma coisa é certa: a espera, essa, também sabe muito bem.

Boas leituras a todos.

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