Um ninho de entrevistas dedicado à actualidade da ilustração e banda desenhada nacionais.
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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

2ªs Conferências de BD - Entrevista com Pedro Vieira Moura


Se o cartaz é da autoria do ilustrador João Maio Pinto, a iniciativa de promover umas conferências em Portugal totalmente dedicadas à banda desenhada é, pela segunda vez já, do crítico e pedagogo de BD Pedro Moura.

Para quem ainda não conhece, em que consistem exactamente as Conferências de BD?

Estas conferências são um encontro de natureza académica, no qual vários investigadores, que têm a banda desenhada ou territórios que lhe são próximos (o cartoon, a ilustração, etc.) como seu objecto de estudo, apresentam e discutem trabalhos de investigação, reflexões ou até somente ideias a explorar. Esse espaço de diálogo permite, ou assim esperamos, novos desenvolvimentos e novos desafios, multiplicando esse saber e incentivando outros a dar-lhe continuidade.
Existem muitas disciplinas que podem ser empregues, deste os estudos literários à história da arte, mas também tivemos pessoas com formação em antropologia, estudos feministas, semiótica, jornalismo, arquitectura, etc. As CBDPT também contam com a participação de autores que tem uma considerável capacidade de reflexão crítica sobre esta área ou que têm uma visão particularmente interessante a partilhar com este público especializado.

Elas estão abertas a todas as pessoas, sobretudo enquanto público, mas há uma insistência em termos apresentações capazes de uma qualquer visão crítica, informada disciplinarmente, com conhecimento da história e as especificidades mediáticas, artísticas e expressivas da banda desenhada. Esta área já conta com uma bibliografia especializada com mais de vinte anos, nalguns casos com um grande rigor intelectual, portanto as Conferências também servem de divulgação e re-distribuição desse pensamento, precisamente para multiplicar esses gestos. Já não faz sentido nenhum fazer abordagens superficiais, de listas ou meras impressões, mas antes tecer discursos com alguma complexidade, capazes de ombrear com o tipo de conversas que ocorrem noutras áreas artísticas, digamos, com mais "prestígio intelectual", como o cinema, as artes visuais, etc. A banda desenhada é um território extremamente vasto e produtivo, mas penso que em Portugal ainda está presa sobretudo a visões de fãs, as mais das vezes (mas nem sempre) pouco informados sobre o que se passa na área.

Como ocorre neste tipo de acções, é feito um "call for papers", ou seja, um convite a quem estiver interessado a fazer uma proposta de comunicação, explicando qual o tema que desejam debater, qual a bibliografia que vão usar, que instrumentos empregarão, etc. Depois uma comissão de apreciação lê, aceitando ou rejeitando as propostas, e quase sempre propondo alguns desenvolvimentos, alertando para uma bibliografia específica, etc. Sempre com o intuito de termos as apresentações o mais equilibradas possíveis e contribuir de forma decisiva para a "massa crítica" sobre a banda desenhada em Portugal, ainda algo deficitária, a meu ver (falta de espaço na imprensa generalista, nas universidades, na web, etc.).   

Dado que esta é a segunda edição, quais as principais novidades relativamente ao ano anterior? 

Não temos novidades propriamente ditas e até por várias razões (orçamentais, de comunicação, etc.) será mais reduzida. Não teremos convidados internacionais - o que era desejável, até para confrontar os investigadores portugueses com nomes influentes nesta área de estudos - e temos menos apresentações. Espero que a terceira edição já possa "crescer" em várias direcções. Como é um evento organizado independentemente de instituições e quase a custo zero, mudamos de espaço. O ano passado foi no Instituto França em Portugal, este ano na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (sempre em Lisboa). Temos, portanto, o apoio logístico dessas instituições.

Já que falamos das primeiras Conferências, na tua opinião, qual foi o balanço? Esperas ainda maior adesão este ano?   

Sinceramente, foi muito positivo. Para começo de conversa, tivemos dezasseis apresentações, todas muito diferentes entre si, mas todas elas com qualidades e perspectivas muito produtivas, penso. O programa pode ser consultado no blog, e está para breve (mas já digo isto há um ano!) o lançamento do site (www.reirubro.org) onde estarão as actas completas.

Além disso, tivemos dois convidados internacionais, absolutamente indispensáveis nesta área de estudos, o David Kunzle, de certa forma o fundador dos Comic Studies e historiador comme il faut da banda desenhada, e Thierry Groensteen, cuja obra, sobretudo marcada pelo pós-estruturalismo e a semiologia, é um ponto de partida fulcral (ainda que, como tudo, aberto a discussões e desenvolvimentos) para o seu estudo.   

Houve ainda oportunidade para momentos de convívio muito descontraídos entre toda esta gente, discussões vivas e o lançamento de várias ideias (a formação de grupos de estudo, etc.) que espero virem a tomar forma num futuro próximo. E houve também algum público, algumas caras conhecidas da nossa praça, mas muitas pessoas novas também, que se integraram nas discussões, na partilha de informação e na vontade de lançar novos desafios mútuos. O cômputo final foi muito estimulante, espero eu para todos os envolvidos.

Quais são os verdadeiros objectivos de umas Conferências de BD em Portugal? Para quem achas que pode ser mais benéfico?

Penso ter respondido já no início, em parte, a esta pergunta. A resposta que desejava dar era "toda a gente que se interessar por banda desenhada". No entanto, estou bastante ciente que muitas vezes há uma atitude generalista anti-intelectual que desconfia sempre do tipo de discursos que são produzidos por este tipo de encontros. Convenhamos, não é preciso saber nada destas coisas para ler banda desenhada, e muito menos para criá-la. Mas se se pretende discutir aspectos em torno da banda desenhada, seja criar um discurso verdadeiramente crítico, e não meramente informativo, divulgador e jornalístico (e todos esses discursos podem ser mais ou menos esvaziados de pensamento como informados de modo original, e tem igualmente o seu papel fulcral na circulação de informação e saber), então tem que se ter não só um ponto de vista mais ou menos constituído como acompanhar o que se anda a discutir, produzir, estudar, etc. E é esse público que a CBDPT pode servir particularmente. Dito isto, penso que é algo que interessará a investigadores dos mass media, da cultura popular, das interacções artísticas, a estudantes, a jornalistas, e até, porque não?, a leitores ditos convencionais (a palavra é horrível, mas enfim; e atenção!, são os leitores as criaturas mais importantes depois dos autores, neste campo).

Quais são as ideias que tens e que ainda não pudeste concretizar? Quais seriam para ti as Conferências de BD ideais?

A resposta óbvia a isto é a que todos esperam: "com mais dinheiro"! Dinheiro não para pagar às pessoas, isso é menos importante (excepto nalguns casos particulares - e devo dizer que há pessoas que têm trabalhado incansavelmente ou contribuído para estas conferências e de borla: Cláudia Dias, Rafael Martins, Ricardo Cabral, João Maio Pinto...), e penso que concordarão todos aqueles envolvidos, mas que nos permitisse várias coisas.   

Para mim é fundamental que tenhamos a oportunidade de termos convidados. Apenas ao ouvirmos, falarmos e discutirmos directamente com pessoas que vêm de locais onde as condições de estudo desta área são melhores dos que a que existem em Portugal (praticamente nenhumas) é que aprenderemos melhor sobre o que há a fazer, como fazê-lo, pensarmos nas especificidades do nosso panorama, e por aí fora. Mas convidados significa passagens aéreas, estadias, alimentação...

Por outro lado, gostava eventualmente de poder também ter uma dimensão de divulgação de documentários ou séries (tenho uma mala cheia dessas coisas) que poderiam ser úteis ao público. Ou até de masterclass/exposições com um autor.

A associação ao Laboratório de Estudos de Banda Desenhada - o nome informal que dou ao meu "escritório" e à rede de apoio aos estudos que ele pode providenciar, também pretende apontar a um possível crescimento. Faria todo o sentido aliar os seus objectivos às várias instituições que existem dedicadas à banda desenhada em Portugal (Bedeteca de Lisboa, CNBDI, Bedeteca de Beja), mas não podemos ficar à espera ad aeternum. Espero não haver aqui nenhum mal-entendido, uma vez que todas estas instituições apoiaram as CBDPT no que puderam. O que quero dizer é que esta dimensão da banda desenhada raras vezes foi coberta, ou de forma pontual e logo descontinuada, e espero que as CBDPT possam contribuir nesse sentido.   

Queres deixar alguma mensagem ao público potencialmente interessado em atender ao evento?

Venham. E nem precisam de fazer cosplay.

As 2ªs Conferências de BD, decorrerão no dia 29 de Setembro, no auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro em Telheiras.

Para saber mais, consultar o blog oficial em http://cbdpt.blogspot.pt/

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