Um ninho de entrevistas dedicado à actualidade da ilustração e banda desenhada nacionais.
Uma bicada nos mais desatentos pelo que por cá se faz.
Um bater de asas para divulgar os nossos projectos e autores.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Entrevista com Pedro Brito sobre o seu mais recente projecto: o webcomic MARGEM SUL



Principalmente desde o virar do milénio, Pedro Brito revelou-se um dos mais talentosos e multifacetados artistas nacionais dedicados à banda desenhada. O seu currículo fala por si: sete títulos de BD publicados com realce para "Panu Cru", "Beraca" e "Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos" (em colaboração com o ilustrador João Fazenda). Neste último, Pedro Brito trabalhou exclusivamente como argumentista e viu o sucesso da obra reconhecido com o Prémio de Melhor Álbum Português de BD (Festival da Amadora) e Prémio do Público em 2001, e com a publicação recente em França e na Polónia. Boa parte da sua vida e do seu trabalho têm sido também dedicados à animação: foi asistente de realização no filme "Olhos do Farol" de Pedro Serrazina, e realizou seis curtas, destacando "Sem dúvida, amanhã!" (2006) e "Fado do homem crescido" (2001).
Actualmente, colabora com várias editoras e publicações, tendo ilustrado o livro "A Casa Sincronizada" de Inês Pupo e Gonçalo Pratas, vencedor do Prémio SPA/RTP 2012 na categoria de Melhor Livro infanto-juvenil.

O seu mais recente projecto é um webcomic chamado MARGEM SUL
A entrevista que se segue aborda esse novo desafio assim como outras facetas da carreira do autor...


A que se deveu o teu interesse pela banda desenhada? O que te levou a desenhar histórias em sequência?

Teremos de cair no típico tópico de que, quando era pequenito, tinha uma imaginação fertil e uma necessidade de partilhar as minhas ideias, mas nunca me passou pela cabeça fazê-lo em banda desenhada. Eu comecei a desenhar de uma forma consciente muito tarde, mas sem ter interesse em fazer BD. Desenhava umas coisas sem orientação ou sentido, sem um propósito. Tinha jeitinho…

Era um leitor de banda desenhada pontual, com vontande de contar as estórias que escrevia. Só por volta dos 16, altura que tomei consciência de existirem autores de BD em Portugal, é que pensei: espera lá! Porque não tentar também? É barato, só preciso de papel e canetas, respeitar algumas fórmulas e regras, e produzir. Foi quando comecei a fazer banda desenhada, comecei a sério. Com empenho.





Quais as principais diferenças entre o Pedro quando começou a fazer BD e o Pedro actual? Digo em relação às expectativas, sonhos, certezas, dúvidas…

A ignorância e a ingenuidade são uma benção. Quando comecei a fazer BD, por volta de 92, tinha imensos sonhos e expectativas, mas pouco depois comecei a cair na realidade… A falta de experiência e a falta de interesse editoral foram grandes desmotivadores. O suporte foi talvez começar a conhecer autores da minha idade já com alguma tarimba que me foram direccionado e ajudando, partilhando ideias, técnicas, soluções gráficas e narrativas… O que fez com que eu não desistisse e me esforçasse para melhorar.

A existência de fanzines e de tertúlias de banda desenhada (como a tertúlia do shock, promovida pelo Estrompa) foram um excelente veículo de aprendizagem. O fanzine “Mesinha de Cabeceira” que criei com o Marcos Farrajota também foi um óptimo tubo de ensaio para que, aos poucos, fosse ganhando experiência e confiança nas minhas capacidades, com bantante determinação e afinco. Como nunca achei que fosse um grande desenhador, saía-me tudo com demasiado esforço, a ferros. E ainda sai.




De todos os passos que deste até hoje como autor de banda desenhada, quais aqueles de que mais te orgulhas?

Ter aceite o meu traço. Quando isso aconteceu tudo ficou mais fácil na minha cabeça e as coisas começaram a sair melhor, mais sentidas, mais verdadeiras. E isso denotou-se com o crescente interesse no meu trabalho.
A nível editorial, verificou-se sobretudo com o relativo sucesso de "Tu és a mulher da minha vida, ela a mulher dos meus sonhos”, tendo-se tornado uma BD de referência em Portugal e obtido reconhecimento além fronteiras (editado em três línguas).


Normalmente escreves os teus próprios argumentos e já experimentaste estar nos vários quadrantes: desenhador, desenhador e argumentista ou só argumentista. Em qual dos papéis te sentes mais confortável?

Gosto particularmente de colaborações. Aprendemos sempre quando trabalhamos com alguém. Diferentes maneiras de pensar, diferentes abordagens narrativas e gráficas... Como gosto bastante de contar estórias, se calhar sinto-me mais confortável no papel de argumentista.




Tens agora um novo projecto de webcomics. Fala-nos um pouco dele.

O “Margem Sul” é uma ideia antiga, talvez já com 16 anos. Sempre quis contar um estória que se passasse na minha terra natal: o Barreiro. Nunca avancei porque nunca me senti confortável com o conjunto narrativo. Um pouco imaturo, sem algo realmente importante ou forte para contar. Tinha a ideia na cabeça e de vez em quando tentava desenvolver, resolver, mas só quando comecei a fazer a planificação em papel é que as ideias começaram a ficar claras. E de repente já tinha imensas estórias e personagens e tive de me conter e concentrar-me só num: o Júlio, Sheriff para os amigos. Se tudo correr bem, “Margem Sul” vai ser uma triologia. Três visões diferentes, três personagens diferentes, na mesma cidade.




O que te levou a criar esta história? Quais foram as tuas fontes de inspiração e onde pensas chegar com ela e com estas personagens?

A principal fonte de inspiração foi a minha adolescência, os meus amigos e, acima de tudo, o Barreiro, que tem um papel importante na narrativa. Não querendo cair no comum de que a cidade também é ela uma personagem, mas de facto é. Queria que esta estória tivesse um suporte, um chão, uma verossimilhança. Usando o Barreiro como fundo, consigo criar uma realidade social que tanto pretendo contar.




Gostarias que houvessem mais projectos do género em Portugal? Achas que pode ser uma boa alternativa às dificuldades de edição no nosso país?

Acho que há projectos de webcomic em Portugal, conheço alguns, mas não sei qual é a regularidade e destino se o há. Eu comecei nos fanzines, vejo o webcomic como uma variante disso mesmo. A unica diferença é que não há objecto, não é palpável. Decidi avançar para o este formato porque não estava interessado em fazer 200 páginas de banda desenhada e só depois encontrar uma editora e tentar a publicação. E quem é que em Portugal edita 200 páginas a cores? Assim, decidi que o melhor a fazer era tentar criar regularmente e a um ritmo porreiro: duas páginas por semana, editar no blog e assim divulgar o meu trabalho de uma forma regular. Desta forma, posso receber algum feedback por parte das pessoas interessadas e consigo também escrever de uma forma mais livre e sem limitações editorias, sejam elas de teor temático ou técnico.


Enquanto leitor e consumidor de BD nacional o que gostarias que houvesse mais e, sobretudo, que se fizesse mais?

Mais edições de autores portugueses, um maior apoio e mais interesse por parte, não só das editoras nacionais, mas também dos periódicos e das publicações generalistas. Porque não haver uma revista semanal de teor satírico e humorista como há em França ou Espanha? Porque não voltar a haver revistas como a “TinTin” ou a “Mundo de Aventuras”, que existiam nos anos 80? Não há mercado? Não há interesse? Ou não se sabe como cativar o público? Dará muito trabalho e dores de cabeça tentar criar um público de raiz?

Em Portugal, temos imenso talento, grandes criadores de BD de várias gerações que mereciam ter uma maior visibilidade e divulgação. Gostava também de ver um e melhor critério editorial por parte das editoras. Há demasiadas publicações ditas comerciais que não vendem. Se calhar a aposta devia de ser outra. Se calhar deviam editar obras com maior qualidade, mais adultas, e vendê-las como obras incontornáveis. Algumas editoras têm feito isso ao publicarem o “Persépolis” da Marjane Satrapi ou o “Blankets” do Craig Thompson. Porque não uma reedição do “Maus” do Art Spiegelman? Porque não o “Epileptic” do David B? Edições de qualidade, tanto a nivel da obra em si como do objecto, são uma aposta a considerar.

Hoje em dia tudo é de fácil consumo e fica rapidamente esquecido com o fantasma dos donwloads ilegais. Acho que a aposta num objecto com durabilidade é a mais certeira. Isto porque acredito que as pessoas que realmente apreciam arte, seja ela qual for, gostam e preferem ter um objecto bonito e agradável de manusear do que pasquins, livros com má qualidade a nivel de impressão e encadernação e PDF’s no computador. Se não há qualidade no objecto, ninguém dá valor.


Para saber mais acerca do trabalho do autor, visite os seguintes links:

http://tomalabonecos.blogspot.pt/

http://flavors.me/pedro_brito

http://www.behance.net/pedrobrito

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

2ªs Conferências de BD - Entrevista com Pedro Vieira Moura


Se o cartaz é da autoria do ilustrador João Maio Pinto, a iniciativa de promover umas conferências em Portugal totalmente dedicadas à banda desenhada é, pela segunda vez já, do crítico e pedagogo de BD Pedro Moura.

Para quem ainda não conhece, em que consistem exactamente as Conferências de BD?

Estas conferências são um encontro de natureza académica, no qual vários investigadores, que têm a banda desenhada ou territórios que lhe são próximos (o cartoon, a ilustração, etc.) como seu objecto de estudo, apresentam e discutem trabalhos de investigação, reflexões ou até somente ideias a explorar. Esse espaço de diálogo permite, ou assim esperamos, novos desenvolvimentos e novos desafios, multiplicando esse saber e incentivando outros a dar-lhe continuidade.
Existem muitas disciplinas que podem ser empregues, deste os estudos literários à história da arte, mas também tivemos pessoas com formação em antropologia, estudos feministas, semiótica, jornalismo, arquitectura, etc. As CBDPT também contam com a participação de autores que tem uma considerável capacidade de reflexão crítica sobre esta área ou que têm uma visão particularmente interessante a partilhar com este público especializado.

Elas estão abertas a todas as pessoas, sobretudo enquanto público, mas há uma insistência em termos apresentações capazes de uma qualquer visão crítica, informada disciplinarmente, com conhecimento da história e as especificidades mediáticas, artísticas e expressivas da banda desenhada. Esta área já conta com uma bibliografia especializada com mais de vinte anos, nalguns casos com um grande rigor intelectual, portanto as Conferências também servem de divulgação e re-distribuição desse pensamento, precisamente para multiplicar esses gestos. Já não faz sentido nenhum fazer abordagens superficiais, de listas ou meras impressões, mas antes tecer discursos com alguma complexidade, capazes de ombrear com o tipo de conversas que ocorrem noutras áreas artísticas, digamos, com mais "prestígio intelectual", como o cinema, as artes visuais, etc. A banda desenhada é um território extremamente vasto e produtivo, mas penso que em Portugal ainda está presa sobretudo a visões de fãs, as mais das vezes (mas nem sempre) pouco informados sobre o que se passa na área.

Como ocorre neste tipo de acções, é feito um "call for papers", ou seja, um convite a quem estiver interessado a fazer uma proposta de comunicação, explicando qual o tema que desejam debater, qual a bibliografia que vão usar, que instrumentos empregarão, etc. Depois uma comissão de apreciação lê, aceitando ou rejeitando as propostas, e quase sempre propondo alguns desenvolvimentos, alertando para uma bibliografia específica, etc. Sempre com o intuito de termos as apresentações o mais equilibradas possíveis e contribuir de forma decisiva para a "massa crítica" sobre a banda desenhada em Portugal, ainda algo deficitária, a meu ver (falta de espaço na imprensa generalista, nas universidades, na web, etc.).   

Dado que esta é a segunda edição, quais as principais novidades relativamente ao ano anterior? 

Não temos novidades propriamente ditas e até por várias razões (orçamentais, de comunicação, etc.) será mais reduzida. Não teremos convidados internacionais - o que era desejável, até para confrontar os investigadores portugueses com nomes influentes nesta área de estudos - e temos menos apresentações. Espero que a terceira edição já possa "crescer" em várias direcções. Como é um evento organizado independentemente de instituições e quase a custo zero, mudamos de espaço. O ano passado foi no Instituto França em Portugal, este ano na Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro (sempre em Lisboa). Temos, portanto, o apoio logístico dessas instituições.

Já que falamos das primeiras Conferências, na tua opinião, qual foi o balanço? Esperas ainda maior adesão este ano?   

Sinceramente, foi muito positivo. Para começo de conversa, tivemos dezasseis apresentações, todas muito diferentes entre si, mas todas elas com qualidades e perspectivas muito produtivas, penso. O programa pode ser consultado no blog, e está para breve (mas já digo isto há um ano!) o lançamento do site (www.reirubro.org) onde estarão as actas completas.

Além disso, tivemos dois convidados internacionais, absolutamente indispensáveis nesta área de estudos, o David Kunzle, de certa forma o fundador dos Comic Studies e historiador comme il faut da banda desenhada, e Thierry Groensteen, cuja obra, sobretudo marcada pelo pós-estruturalismo e a semiologia, é um ponto de partida fulcral (ainda que, como tudo, aberto a discussões e desenvolvimentos) para o seu estudo.   

Houve ainda oportunidade para momentos de convívio muito descontraídos entre toda esta gente, discussões vivas e o lançamento de várias ideias (a formação de grupos de estudo, etc.) que espero virem a tomar forma num futuro próximo. E houve também algum público, algumas caras conhecidas da nossa praça, mas muitas pessoas novas também, que se integraram nas discussões, na partilha de informação e na vontade de lançar novos desafios mútuos. O cômputo final foi muito estimulante, espero eu para todos os envolvidos.

Quais são os verdadeiros objectivos de umas Conferências de BD em Portugal? Para quem achas que pode ser mais benéfico?

Penso ter respondido já no início, em parte, a esta pergunta. A resposta que desejava dar era "toda a gente que se interessar por banda desenhada". No entanto, estou bastante ciente que muitas vezes há uma atitude generalista anti-intelectual que desconfia sempre do tipo de discursos que são produzidos por este tipo de encontros. Convenhamos, não é preciso saber nada destas coisas para ler banda desenhada, e muito menos para criá-la. Mas se se pretende discutir aspectos em torno da banda desenhada, seja criar um discurso verdadeiramente crítico, e não meramente informativo, divulgador e jornalístico (e todos esses discursos podem ser mais ou menos esvaziados de pensamento como informados de modo original, e tem igualmente o seu papel fulcral na circulação de informação e saber), então tem que se ter não só um ponto de vista mais ou menos constituído como acompanhar o que se anda a discutir, produzir, estudar, etc. E é esse público que a CBDPT pode servir particularmente. Dito isto, penso que é algo que interessará a investigadores dos mass media, da cultura popular, das interacções artísticas, a estudantes, a jornalistas, e até, porque não?, a leitores ditos convencionais (a palavra é horrível, mas enfim; e atenção!, são os leitores as criaturas mais importantes depois dos autores, neste campo).

Quais são as ideias que tens e que ainda não pudeste concretizar? Quais seriam para ti as Conferências de BD ideais?

A resposta óbvia a isto é a que todos esperam: "com mais dinheiro"! Dinheiro não para pagar às pessoas, isso é menos importante (excepto nalguns casos particulares - e devo dizer que há pessoas que têm trabalhado incansavelmente ou contribuído para estas conferências e de borla: Cláudia Dias, Rafael Martins, Ricardo Cabral, João Maio Pinto...), e penso que concordarão todos aqueles envolvidos, mas que nos permitisse várias coisas.   

Para mim é fundamental que tenhamos a oportunidade de termos convidados. Apenas ao ouvirmos, falarmos e discutirmos directamente com pessoas que vêm de locais onde as condições de estudo desta área são melhores dos que a que existem em Portugal (praticamente nenhumas) é que aprenderemos melhor sobre o que há a fazer, como fazê-lo, pensarmos nas especificidades do nosso panorama, e por aí fora. Mas convidados significa passagens aéreas, estadias, alimentação...

Por outro lado, gostava eventualmente de poder também ter uma dimensão de divulgação de documentários ou séries (tenho uma mala cheia dessas coisas) que poderiam ser úteis ao público. Ou até de masterclass/exposições com um autor.

A associação ao Laboratório de Estudos de Banda Desenhada - o nome informal que dou ao meu "escritório" e à rede de apoio aos estudos que ele pode providenciar, também pretende apontar a um possível crescimento. Faria todo o sentido aliar os seus objectivos às várias instituições que existem dedicadas à banda desenhada em Portugal (Bedeteca de Lisboa, CNBDI, Bedeteca de Beja), mas não podemos ficar à espera ad aeternum. Espero não haver aqui nenhum mal-entendido, uma vez que todas estas instituições apoiaram as CBDPT no que puderam. O que quero dizer é que esta dimensão da banda desenhada raras vezes foi coberta, ou de forma pontual e logo descontinuada, e espero que as CBDPT possam contribuir nesse sentido.   

Queres deixar alguma mensagem ao público potencialmente interessado em atender ao evento?

Venham. E nem precisam de fazer cosplay.

As 2ªs Conferências de BD, decorrerão no dia 29 de Setembro, no auditório da Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro em Telheiras.

Para saber mais, consultar o blog oficial em http://cbdpt.blogspot.pt/